quarta-feira, agosto 08, 2007

Actualizações

Após ouvir muitos "Ah e tal, actualizado o tanas, estou farto/a de lá ir e não ver nada de novo", vou tentar recomeçar a divulgar as minhas taralhoquices. A verdade é que o tempo tem sido pouco, e infelizmente a inspiração não se tem mostrado. Algumas ideias começaram a surgir, mas nunca a construção completa.

Agora de férias, vamos lá ver se consigo manter-me o mais actualizada possível.

Vamos ver...

Do Cheiro, da Memória e das Saudades

Aos meus quatro avós, que me proporcionaram das melhores recordações que o Cheiro pode trazer...


Uma expressão, um som, um cheiro. Coisa curiosa, a nossa mente, que nos consegue trazer à memória, por iniciativa própria, certo episódio da nossa vida, apenas devida a uma destas coisas. Mais curiosa ainda, se pensarmos que, quando nos lembramos de algo do nosso passado, essa lembrança nunca vem acompanhada de cheiros.

O cheiro de uma casa. O perfume de uma pessoa. O aroma de uma comida.

Sentir o cheiro de uma casa e lembrar de todas as pessoas que ali estiveram e tudo o que se viveu (não é engraçado como apesar de uma pessoa já não estar presente, o seu cheiro continua na casa?). Sentir o perfume da avó e lembrar de uma brincadeira de criança (quem, quando era pequeno, nunca brincou com os vestidos e brincos da avó?). Sentir um aroma de café no ar, tão característico que seríamos capazes de reconhecer o "autor" mesmo que não víssemos quem o fez (como é possível uma coisa tão banal como uma chávena de café ter um cheiro tão próprio, que não se sente em qualquer outro lado, mesmo que se tentasse milhões de vezes?).

Entrar num quarto que não se visitava há muitos anos e descobrir que o cheiro ainda é o mesmo dos dias em que nos juntávamos com os primos e a avó nos emprestava as roupas, brincos, malas e perfumes. Entrar e pensar "é o cheiro da minha avó!". Olhar para uma cadeira vazia e sentir como ainda está "ocupada". Porque aquela era a cadeira dela, porque aquela era a cadeira dele, e era ali que eles estavam quando entrávamos em casa, era ali que eles nos pegavam ao colo e brincavam connosco ("qual é o feminino de girafa?"). E sentir que eles continuam lá quando entramos em casa. A acolher-nos. A pegar-nos ao colo quando nos sentamos na cadeira. Porque o cheiro ainda lá está.

O som de uma colher que bate numa chávena e espalha aquele cheiro tão próprio que nos diria onde estamos, mesmo que nos tivessem levado de olhos tapados. O cheiro de que me lembro toda a minha vida. Que sempre foi o mesmo. O cheiro a café que só vem da casa do meu avô, que se sente à saída do elevador quando chegamos depois de almoço. Que é diferente de todos os outros, e tão próprio. O "cafá" do meu avô. Aquele cheiro capaz de nos deixar com lágrimas nos olhos quando pensamos no dia em que não se sentirá mais. Porque é único, e nunca outra pessoa o fará como ele faz. A receita não é complicada. Não é diferente das dos outros. Mas as mãos que o fazem são capazes de trazer ao de cima todas as lembranças de toda uma infância e tudo o que já passou. E a ideia de que virá o dia em que não haverá mais cheiro a café à saída do elevador à hora de almoço.

Um cheiro a biscoitos que lembra uma tarde na cozinha. O sabor que não é igual a qualquer outro. Os S's, E's, 8's e bonecos que as mãos vão criando, para deixar na memória a lembrança das tardes à volta da mesa de metal branco da cozinha e do sabor dos biscoitos da avó. As formas perfeitas feitas pelas mãos experientes e as desengonças feitas por nós:). E todas as receitas que nos fazem suspirar ("ahhhh, a geleia da avóóóó"). Aquele sabor especial de todos os pratos ("a sopa de feijão-verde da avó", "a salada da avó", "a carne assada da avó", "o arroz da avó", "os doces da avó"), que nenhuma receita será capaz de recriar.

Um cheiro que nos faz lembrar de um local visitado ("cheira às ruelas de Macau").

Um perfume que nos vem "ao nariz", do fundo da nossa memória, e nos faz pensar nessa pessoa especial.

Um aroma que captamos quando andamos por aí e nos faz lembrar da nossa infância.

E a lágrima que vem ao olho, para lembrar como ela foi feliz.